"TA – SOBRE SER GRANDE" traz do norte ao sul a altivez dos povos originários.

O FTC 2024 está de parabéns, mais uma vez, por destacar espetáculos que ajudam a entender e a sentir a diversidade humana e cultural. E quem somos, nisso.  

Muito próximos, pouco conhecemos da cultura latino-americana, menos pela diferença da língua que por imposições da dominação político-econômica a que desde sempre fomos submetidos. Tal alienação cultural, propositadamente, nos afasta de nossas raízes. E nos enfraquece como identidade. Do mesmo modo, somos alguns Brasis neste imenso Brasil. E uns não conhecem om outros como deveriam.  

Assim, o FTC trouxe ao teatro da Reitoria, pela primeira vez, “Ta – Sobre Ser Grande, pelo Corpo de Dança do Amazonas, referência em dança contemporânea no norte do país. Que dá luz e corpo aos povos originários. Aqui, no sul, sobra ancestralidade europeia. É parte de nosso DNA. Sim, bom. E melhor ainda nos re-conhecermos nesse caldeirão cultural que deixa nossa terra tão rica em todos os sentidos.      


A companhia é financiada pelo poder público e, por isso mesmo, de acordo com o atual coréografo Mário Nascimento, tem visão política e social: “O papel da nossa companhia é retratar as questões da nossa região, como o meio ambiente e os povos indígenas.” O próprio Mário, aliás, traz em sua história essa integração dos Brasis. Nascido em Campinas, criado em Cuiabá, vivido em São Paulo e Belo Horizonte e, há quatro anos, em Manaus. E já esteve com o Balé  Teatro Guaíra, criando os movimentos do espetáculo “Tempestade”.

E O QUE É “TA”?

Para os Tikunas – o grupo indígena mais numeroso da Amazônia brasileira – é a grandeza - tanto da floresta, dos rios e da fauna quanto deles mesmos. É um território que abriga, acolhe, alimenta. E precisa também de cuidados. Está nos corpos. Expressa toda força de um povo.

TA é expressão curta de sentidos longos. A língua é um deles: os sons do ambiente fazem parte dela, sejam roncos, chiados e tantos quantos se consegue escutar. Por isso, a trilha sonora do DJ Marcos Tubarão é executada ao vivo, no palco mesmo, e incorpora esses sons aos corpos e aos sons emitidos pelo grupo, no espetáculo.

O ESPETÁCULO

Em cena, 23 bailarinos que representam uma espécie de “noite de celebração entre nações indígenas. Talvez um ritual de sobrevivência e poder”.

Embora traga em si o alerta e a denúncia das agressões sofridas pelos povos originários, o espetáculo não os mostra como submissos, condenados ou tingidos com qualquer tom de “autopiedade”. A contrário, o palco mostra pessoas grandes, por trazerem em sua alquimia e magia a emanação da terra, da floresta. É a sensação que o coreografo quis trazer: “A que senti sempre que estive ao lado de um cacique”.

DENSO COMO A TERRA

Desde o primeiro momento, o impacto desse ritual é marcante: uma iluminação setorizada dá a ideia de clarões numa floresta, onde seres se confrontam, sejam pessoas, sejam animais, sejam espíritos. São pequenos grupos aqui e ali. E, de repente, grandes grupos. E o círculo formado pelos bailarinos, forma potente em cerimônias indígenas, lindo. Muito pé no chão.

Aos poucos, durante esse espetáculo fluído, vão colocando mais roupas, indicando talvez tanto a invasão do homem branco quanto a evasão dos indígenas para os centros urbanos.

A direção tenta trazer o ritual o mais próximo possível da plateia. Até por isso, escolheu o Teatro da Reitoria que, embora grande, traz proximidade. Se houvesse condições – me disse - teria usado os corredores de acesso (como feito pelo espetáculo de Parintins no Teatro Positivo).

Para mim, talvez por ser do sul e de raiz europeia, esse é o tempo mais forte e fascinante do espetáculo.


MUITO AR E MUITO FOGO

De certo momento em diante, o poderoso centro urbano que é a região de Manaus aparece. Com sua diversidade, conferida pela “zona franca”. Sim, durante muitos anos ali foi a porta de entrada e de saída da nata da tecnologia em nosso país. Muitos estrangeiros chegando e saindo, pegando e levando, mas também deixando, ficando e se miscigenando. Enriquecendo e empobrecendo a vida social local. Tudo, ao mesmo tempo.

A importação de cultura e tecnologia - e sua mistura com a força da floresta - foram fazendo nascer um centro cultural efervescente, energético. Tal é mostrado nos novos sons, agora vindos também de instrumentos mais eletrônicos; em cena, a presença do sonoplasta, agora, é a presença do “DJ”.

“Referência à cidade de. “Manaus é uma cidade Manaus tem um caráter vibrante e multicultural. E é muito noturna, muito barulhenta, com muita música, muita festa e mesmo muito rock’n roll”, observa Nascimento. “É uma cidade quase mística. E os indígenas também estão inseridos nessa urbanidade” – completa.

Assim, o que era floresta natural vira, até certo ponto, em floresta artificial. Em “dancing”, a paisagem sonora e visual visitando o hip-hop e a música eletrônica.

Nos corpos, se no início os dançarinos expressavam suas particularidades e a coreografia geral era o mosaico resultante delas, agora evidencia-se um conjunto onde todos repetem e somam a mesma forma coreográfica, nos quais ora se destacam desse conjunto um ou dois elementos. Dança moderna.

Esta “segunda forma” que o espetáculo vai alcançando, não tendo menor força expressiva, a mim não conquista tanto. Talvez por eu ser do sul e estar mais afeito a ela. Não me traz a magia da novidade, a força do desconhecido, não resgata uma parte de mim.

FLUÍDO COMO A LAVA


TA é um trabalho com muita energia, são setenta minutos de vida pulsante. Para chegar a tal, o Corpo de Dança da Amazônia tem, em seu dia a dia de trabalho, o técnicas de método de exaustão. Vai-se a limites do corpo, de modo a cansar. São horas por dia, para se chegar a essa dinâmica. Como diz Nascimento “quase uma convulsão”.

E, POR FIM, O QUE NÃO SE ACABA.

Na parte final, o espetáculo se realimenta da força do início. Cresce para dentro.  Há um... ou mais silêncios fundamentais. E, após, o espírito do vulcão vêm à tona.   

E o público se levanta e aplaude. E aplaude. E aplaude...

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