FESTIVAL DE CURITIBA 2024 - CARMEM, A GRANDE PEQUENA NOTÁVEL. POTENTE E POPULAR!

 

UM POUCO SOBRE CARMEM

Nascida em 1909, a portuguesa Maria do Carmo Miranda da Cunha veio, ainda criança, morar no Rio de Janeiro. Aos 20 anos, foi como Carmem Miranda que pareceu nas rádios. Ainda no início dos anos de 1930, foi eleita a maior cantora do Brasil. Por sua estatura física (1,52m) confrontar com sua estatura artística e pessoal, foi apelidada de “pequena notável” por César Ladeira, na radio Mayrink-Veiga.

Deixou um grande legado enquanto artista à cultura popular brasileira e, mudando-se para os Estados Unidos fez também cinema em Hollywood - em filmes que ilustravam o Brasil. Naquela época, os Estados Unidos faziam a “política de boa vizinhança” com os países da América Latina como forma de evitar que esses países se aliassem às tropas alemãs. Com o Brasil, utilizou a arte e financiamentos industriais para ganhar a simpatia do povo brasileiro e das autoridades locais. A Pequena Notável teve sua figura diretamente ligada à essa política, fator que gerou desconfiança em parcela da população e permanece em discussão, inclusive no meio acadêmico, sobre sua influência na “americanização” do Brasil e responsabilidade pela difusão, no mundo, do estereótipo da “república das bananas”.


A “Brazilian Bombshell”, com seus vigorosos movimentos de cores, ritmos e o corpo predestinado, foi a primeira artista latina a ter suas mãos na famosa calçada da fama.  E era, na década de 1940 a mais bem paga artista estrangeira de Hollywood.

Maria do Carmo casou com um norte-americano e fixou residência por lá, o que a fez ser muito criticada por correntes nacionalistas. Teria ela, “desprezado o Brasil”. Porém, sua residência nos EUA era uma verdadeira embaixada brasileira. Com 46 anos, faleceu em sua residência de Beverly Hills. Era 5 de agosto de 1955. Sua última vontade foi respeitada: foi enterrada no Rio de Janeiro, no cemitério de Botafogo, ao som de Adeus Batucada, de Sinval Silva. Diante de cerca de 500 mil pessoas.

A ENCENAÇÃO

“Carmen, A Grande Pequena Notável”, é adaptação para musical de livro homônimo, infanto-juvenil, vencedor do Prêmio FNLIJ de Melhor Livro de Não Ficção, em 2015.       Adaptação das próprias autoras, Heloisa Seixas e Julia Romeu. A proposta: apresentar o universo artístico de Carmen para adolescentes e adultos. 

O espetáculo estreou em 2018, em São Paulo, no contexto das comemorações aos 110 anos de Carmen. Desde então, teve várias temporadas na capital paulista, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Agora, em Curitiba. 

Dirigido por Kleber Montanheiro, conta a história da cantora desde sua chegada ao Brasil ainda criança, passando pelas rádios, por suas primeiras gravações em disco, pelo cinema brasileiro e pelo Cassino da Urca. Até o estrelato nos filmes de Hollywood.

Não se atém a detalhes, pois enfatiza dar o público a dimensão sensorial não apenas de Carmen, mas também do Teatro de Revista e de clássicos musicais da época, em particular nos gêneros samba e chorinho.


A estrutura, a estética e as convenções são buscadas no Teatro de Revista Brasileiro, gênero que brilhou desde a segunda metade do século XIX até meados da década de 1950. Era de forte apelo popular, com números de dança e música entremeados de pequenas esquetes cômicas. Sempre muito eloquente e energético, trazia com frequência apelos à sensualidade e à sátira social e política. “Utilizamos a divisão em quadros, o reconhecimento imediato de tipos brasileiros e a musicalidade presente, colaborando diretamente com o texto falado. Não como um apêndice musical, mas sim como dramaturgia cantada”, explica o diretor.


O espetáculo inicia em preto e branco (como as calçadas de Copacabana), tornando-se aos poucos colorido. Segundo Montanheiro, segue a transição que aconteceu na televisão.

A cenografia reproduz os principais ambientes propostos pelo livro: o porto do Rio de Janeiro, onde Carmen desembarca criança com seus pais; sua casa e as ruas da Cidade Maravilhosa; a loja de chapéus, onde Carmen trabalhou; o estúdio de rádio; os estúdios de Hollywood e as telas de cinema; e o céu, onde ela foi cantar em 5 de agosto de 1955. Ajuda a compor o cenário um lego feito por cubos e que serve de suporte cenográfico aos atores. Cada cubo traz uma letra do nome da cantora. Realinhados a cada cena, viram outras palavras: por exemplo, a palavra MAR aparece na cena do porto, e MÃE, na cena da casa dos pais da cantora.  Ideia simples, criativa e que perpassa épocas.

 

Também os figurinos vão se colorindo aos poucos, transição que se completa no momento em que Carmen surge com o tradicional vestido com as frutas, para cantar “O que é que a baiana tem?” Todos os figurinos da protagonista são inspirados nos desenhos originais das roupas usadas por Carmen. Já as vestes dos demais personagens são baseadas na moda das décadas que aborda o espetáculo.

 


Basicamente, as interpretações dos atores obedecem a prosódia da época: o modo de falar ‘aportuguesado’ e o maneirismo de cantar proveniente do rádio.

 

Gosto, particularmente, disso. Mostrar como era, como é comum em filmes.  Ajuda a mostrar, inclusive, como Carmem era diferente, não só pelo salto alto e não só pelos palavrões espontâneos. 


No entanto, talvez na ideia de se aproximar do público adolescente atual, talvez para realizar uma espécie de “revisão crítica” – muito comum na arte de hoje – o espetáculo muitas vezes altera o comportamento e o linguajar de época. É assim que muitos homens, nas cenas, perderam aquela “virilidade do macho”, e as mulheres se “empoderaram”. É assim que, em certa cena, uma jovem senta-se de pernas abertas sobre um praticável, ao invés das pernas juntas e levemente caídas para a lateral, como era. Fica estranho.    


Quem assistiu ao espetáculo “Melodrama”, da Cia dos Atores (dirigido por Enrique Diaz), entenderá o que digo. Ali se contava um estilo e uma época, sendo crítico mas sem alterar como as coisas eram. Em Carmen, penso que se poderia manter os comportamentos tais como e se fazer a crítica em “apartes”, comentários, recurso que combina com a estética do Teatro de Revista.

 

A atriz e cantora Amanda Acosta dá um show à parte ao interpretar Carmen Miranda.

Porque Amanda tem, também, um brilho todo seu. Todo o elenco, aliás, canta, dança e interpreta com muita qualidade. Destaco a interpretação de Jonathas Joba, como narrador e condutor da história. Não apenas sua versatilidade a cada cena, mas seu humor e presença marcante sempre renovam o fôlego do espetáculo. É daqueles atores que dominam o palco e envolvem a plateia. Infelizmente, uma espécie hoje rara.  

 

“Carmen, a Grande pequena Notável” é um espetáculo brilhante, potente o suficiente para empolgar a plateia a procurar pelo vasto material existente acerca desse ícone de nossa cultura.

 

Fica uma observação: às vezes nos perguntamos, mesmo conquistados pelo

Espetáculo: “Mas ela era tudo isso? E pensemos: “conheço melhores”. Mas não há como comparar o efeito que um artista causa em sua época. O crítico francês Jean-Jacques Roubine comentou, nos anos de 1980 a respeito da grande atriz francesa Sarah Bernhardt, do início do século XX. Dizia ele que, se houvesse filmes mostrando suas representações, talvez as gerações futuras “torcessem o nariz”, achando-a exagerada. Porque o que emociona uma geração... pode fazer rir à outra. A estética muda. Então, para se ter uma ideia do que alguém ou algum fato representou, seria necessário estar lá, no presente daqueles dias. Assim, a melhor resposta sobre a qualidade de Carmen virá de relatos de quem esteve por lá.  

 



ALGUMAS OBSERVAÇÕES PESSOAIS

 

No Teatro Positivo, ficou um tanto estridente. Talvez pelo “escancarado” do deboche - comum ao Teatro de Revista – e aqui microfonado; talvez pela maioria de vozes agudas em cena; talvez pela prosódia do estilo. E aqui, destaco as vozes “barítono”, como a de Jonathas Joba: eram um descanso auditivo.

 

Para diminuir a distância em teatros tão grandes, se o espetáculo tivesse usado parte do fosso da orquestra (uma passarela, talvez), se aproximaria do público ao menos em

algumas cenas. Traria um pouco mais da intimidade própria do Teatro de Revista.

 

Senti falta do “canhão de luz”, aquela luz que seguia o artista principal pelo palco, muito usado antigamente. E do uso de focos – luz setorizada, que em momentos quebrariam um pouco a sensação de palco sempre muito iluminado e destacariam os personagens de ação central.

 

Adoro os silêncios, na parte final, quando o espetáculo muda o tom para dramático, ao

narrar a parte final da vida de Carmem. 

 

E adoraria que, na cena final, ele voltasse a ficar em preto e branco. Na ideia de “começar lá por 1915, vir até nós e, ao final, retornar ao passado”. Como as fotos estampadas na parede, no filme “O Baile”, de Ettore Scola.

 

E um detalhe que, realmente, não entendi e me incomodou muito. O espetáculo foi todo interpretado para a plateia central. Em momento algum os atores/cantores ao menos giravam seu corpo em direção às plateias laterais. A da direita, principalmente. Foi como se não falassem conosco, somente com a plateia central. Nem ao menos nos agradecimentos isso ocorreu.

 

 Que estão longe de tirar o brilho do espetáculo a que assisti. Notável!

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