FESTIVAL DE CURITIBA 2024 - SÍLVIO SANTOS VEM AÍ DIVERTE. MAS... QUAL É A MÚSICA?

Com direção de Fernanda Chamma e Marilia Toledo, o musical faz um recorte na vida de Senor Abravanel, conhecido como Sílvio Santos, uma das figuras mais emblemáticas da cultura popular brasileira dos anos 70 aos 90. Silvio é mostrado desde sua infância, quando camelô no Rio de Janeiro, até a década de 90, logo após a consolidação do SBT.

Com certeza, o tempo de um musical não dá conta de mostrar quem foi o ícone Silvio Santos - não apenas o apresentador, mas o empresário e a pessoa – e suas implicações na vida cultural, política etc etc.

Mas quem espera por um recorte politicamente crítico ou existencialmente confrontador, esqueça. Quem espera por um panorama sobre os bastidores da televisão, esqueça. Este musical é sobretudo, uma homenagem. Assim, quem espera por um “encontro, um “remember” ao vivo, além de conhecer, através da carreira de Silvio, alguns detalhes sobre a produção dos programas de rádio, se sentirá agraciado. Muita gente, aliás, se esquece ou desconhece que o rádio foi veículo absoluto da cultura de massa do século XX, até o surgimento da televisão.



O primeiro momento do musical inicia como se fosse uma gravação do clássico programa Show de Calouros: a produção distribui pompons brancos à plateia e o contra-regra faz o “esquenta”: dá as boas-vindas e explica como deverão reagir às placas de “aplausos”, “risos” e “vaias”. A partir daí, são recebidos os jurados (aqui, reduzidos a quatro. Não são os quatro mais emblemáticos do programa. Ao que parece, os roteiristas optaram pela fidelidade ao início dos anos 80.

Tal introdução já avisa ao público que sua participação será mais que bem-vinda.

Durante o transcorrer do quadro, porém, Silvio perde a voz. É internado para exames e cirurgia. Ao ser sedado, talvez seu temor pelos resultados do procedimento faz reviver cenas de sua vida. Nas palavras de um dos roteiristas, Emilio Boechat: “decidimos contar a história do Sílvio por meio de um devaneio, como feito no filme ‘All That Jazz” (sobre o bailarino e coreógrafo Bob Fosse). Com certeza, foi um ótimo achado estilístico que permitiu grande liberdade à composição do restante do roteiro.

Compõem esse devaneio trechos da vida do jovem Senor Abravanel, trechos da história do Silvio Santos e trechos de seus quadros mais famosos, como Show de Calouros, Baú da Felicidade, Praça da Alegria e Qual é a Música? Programas que, em geral, não nasceram na televisão, mas na rádio. Pelo palco, desfilam as pessoas mais importantes da “lembrança” de Silvio: os familiares; o criador da Praça da Alegria - Manuel da Nóbrega (em justa homenagem); e personagens marcantes de seus programas e da cultura de massa, como Pedro de Lara, Hebe Camargo, Dercy Gonçalves, Elke Maravilha, o palhaço Bozzo, a velhinha surda da Praça da Alegria, Sérgio Malandro... Sem esquecer de seu substituto ocasional, Gugu Liberato.



O espetáculo promete agradar a todos os públicos. Me parece, no entanto, que apenas quem tem mais de 40 anos irá absorvê-lo: quem assistia aos programas do Sílvio.

Os textos foram escritos em separado, pelos autores, em um ano e meio. Após, colocados na estrutura de um musical clássico, ou seja, alguns diálogos falados foram transformadas em cenas musicais. Por fim, ao que parece, foram criadas cenas para costurar tudo. Mesmo com a liberdade estética propiciada pela ideia de ser um devaneio, o espetáculo parece em alguns momentos meio como um “Frankenstein”: as suturas, bem feitas pelas canções e ritmos marcantes em sua trajetória - unem peças que não se encaixam bem. Não que seja fácil, nem um pouco. Imagino a dificuldade dos roteiristas e dos diretores em encaixar tantas informações colhidas da história desse ícone em diálogos e cenas atrativas, em meio a grandes trechos de seus quadros mais famosos.

Para exemplificar a dificuldade descrita acima, destaco (e aplaudo) uma afirmação de Marco França, aqui apenas se referindo à composição musical: “Minha função primeira é ser fiel aos arranjos originais, tentando mudar minimamente, colocando um pouco da minha personalidade, mas sem ferir a identidade dessas canções que estão nesse imaginário e que fizeram parte dessa época. E a outra parte compor canções novas que tenham a ver com a necessidade da dramaturgia. Dentro desse repertório popular que estava presente nas vinhetas do programa do Silvio tem um pouco do jingle publicitário. Para reforçar esse caráter, resolvi trabalhar com o Fernando Suassuna, um grande músico e amigo de infância. Ele escreveu as letras e eu compus todas as canções originais. Acho que todos estão bem felizes com o resultado”.

Ainda sobre o roteiro: mesmo sabendo ser um recorte temporal, me pareceu estranha a forma como termina: no seco, lá nos idos anos de 1990. Fica uma indagação, talvez mais emocional que racional: “Por que parou ali? Parece faltar algo que “feche”, ou ao menos que conecte aquele momento com o atual, onde vivemos nós - inclusive Sílvio. Parece, segundo ouvi, que o outro espetáculo da companhia, sobre Ney Matogrosso, tem viés estético semelhante.


Tecnicamente, algo que incomodou em certa parte do espetáculo foi o som do teatro. Não falo do problema técnico que fez cair luz e som por quinze minutos. Falo das cenas em que conversavam ou cantavam mais de duas pessoas ao mesmo tempo: por falta de equalização de volumes ou por reverberação, os diálogos ficavam embaralhados. Este problema técnico pode ter comprometido o entendimento de algumas cenas, principalmente para quem não conhecia bem o tema ou a época. Novamente, segundo fui informado, problema semelhante ocorreu no espetáculo sobre Ney, no Teatro Guaíra.

Mesmos sendo opção estética, me incomodou, também, a mistura no estilo das interpretações: enquanto os personagens Silvio, Hebe, Pedro de Lara, Elke Maravilha e outros eram interpretados de forma semelhante a seus modelos reais, as interpretações de Gugu Liberato e de alguns cantores da época fugiram um tanto de seus modelos. Parecem, mesmo, mal realizadas. Incluindo nesse rol a voz marcante do locutor Lombardi – uma das identidades dos programas de Sílvio.

Além disso, tenho certeza de que ninguém reconheceu, no palco, o cantor Sidney Magal: o barítono e corpulento “macho latino”... simplesmente não estava ali.

Sim, é tarefa difícil ter um elenco que dê conta de interpretar vários personagens conhecidos. Mas é possível. Porém, se foi opção estética a “misturança”, penso que a estética precisa estar de acordo com o público-alvo. E, no caso, se este público deseja “rever” ao vivo, lembrar de sensações tão gostosas, certas liberdades poéticas – distorções – parecem não encaixar aqui. Fica algo “sujo” esteticamente.

Em caminho acertado, o ator Velson D’Souza procurou compor um Silvio sem caricatura, justamente porque tantos bons comediantes já a fizeram e a fazem. Conseguiu, com isso, nos trazer um Sílvio mais humano, como queria: um Silvio tanto dos programas quanto dos bastidores e da vida.

Apesar dos poréns colocados acima, que refletem apenas minha visão, longe de rotulações de verdade ou correção, no todo “Silvio Santos Vem Aí” é divertido, traz boas interpretações, é tecnicamente bem acabado. E, o principal: embala a plateia durante duas horas e meia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

VENDAS DO KLUG - mais de 70 itens

2024-25 AULÕES ARTES CÊNICAS BACHARELADO

TRAGÉDIA - Um espetáculo potente.