NÃO PERCA “OS ANALFABETOS”. TEMPORADA PRORROGADA ATÉ DOMINGO, 15.

Uma atriz, durante o espetáculo “Vestido de Noiva”, de repente perde a voz. Não se sabe se está doente ou resolveu calar-se diante do mundo. Levada para casa, tem uma cuidadora contratada para os cuidados básicos.

Em torno dela, reúnem-se os parentes próximos e os agregados: o casal que está prestes a assinar os papeis do divórcio, mas que depende emocionalmente um do outro; o ator que vem anunciar seu primeiro papel na televisão; e o cineasta aparentemente bem sucedido. Todos falam muito. Por essas falas – muitos solilóquios disfarçados de diálogos – as mensagens da peça fluem ao espectador.



A direção de Adriano Petermann é exata e econômica. Nenhum movimento é perdido. Numa atmosfera expressionista, a base de luz e sombra os personagens me lembram desenhos animados. Sim, são desenhos de tipos que conhecemos em nossa família e em nosso ambiente de trabalho. E em nós mesmos. São caricaturas, lembram também robôs, formas quase humanas, humanoides.
A iluminação é feita por lanternas utilizadas pelos atores. Em geral, cada personagem se auto-ilumina. Mais ou menos como fazemos.
A ação inicia lenta e intensa. Após, passa a fluir como um relógio apressado. Da aparente frieza emana uma torrente de emoções represadas.
Luz, músicas, atores, movimentos de conjunto, tudo é um organismo vivo, que só pára no black out final. Dentro dessa fluência de conjunto, porém, cada personagem-esteriótipo é composto de elementos particulares bem claros. Provavelmente, cada espectador vai se identificar mais com um ou dois deles. E vai criticar mais de um.
Como uma família (ou como um grupo que se conhece pouco há muito tempo), eles se relacionam – rolam uns sobre os outros - de forma azeitada, quase confortável. E realizam, por mais um dia, sua dança de reclamações, de conflitos, de desinteresses no outro, de solidão. Hoje, em torno da "muda", que tudo vê e tudo escuta. Rara oportunidade? Seu rosto é intenso: o que estará sentindo e pensando?
A cuidadora, ou enfermeira – em ótima criação de Stella Mariss - interessada em se integrar ali, é o elemento externo que ajuda a dinamizar a relação. E acrescenta à situação um tempero de leveza e delicadeza. É amorosa, sonhadora. Me lembra um cão cuidador: não sabemos se mais dá afeto ou se mais o deseja.
Nos poucos momentos onde o texto beira ao panfletário ou megafônico, a direção o coloca sublinhado por músicas, o que confere às falas das personagens um sabor algo como um cabaré, algo como uma revista, algo como um musical.
“Os Analfabetos” (emocionais) é um espetáculo de fácil assimilação e construído com recursos simples. E não porque não teve verba derivada de lei alguma de cultura, não porque "feito na raça". É aquela simplicidade que você diz: não precisa nada além. São soluções cênicas criativas e cenicamente poderosas (não vou dar spoiler sobre, rs). É teatro. É a direção que ilumina o texto, os personagens e os atores. São atores dedicados a construção artesanal de seus personagens, cujo interior salta aos nossos olhos, no melhor estilo expressionista. Quase uma HQ. Sim, rodrigueanos. Não há gesto perdido, não há ritmo impensado, não há tom ou volume desfocado.
Como tudo termina? Não vou dar spoiler.
Interessante, por fim, que se construiu um espetáculo barato, é colocar no bolso e viajar. Sem depender de luz nem cenário, pode ser apresentado em qualquer espaço. E cada espaço dará a ele um tempero diferente. Gosto muito disso.

Serviço:
“Os Analfabetos”
Quando: 13 a 15/10, sempre às 20h
Local: Carpintaria do teatro Guaíra (entrada pela Amintas de Barros)
Ingressos na bilheteria do Teatro Guaíra e no link www.deubalada.com

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